Além do brigador
13/06/2017Esses dias vi uma frase no Facebook mais ou menos assim: “Tem os que querem, os que desejam e os que fazem acontecer”. Essa frase me fez refletir bastante pois ilustra bem a trajetória de um campeão bem sucedido.
Vou falar um pouco aqui da minha ideia do que está além da capacidade de lutador em si, além de tudo que já falamos de treinos, técnicas, garra e que também fazem a diferença.
Vemos muitos atletas reclamarem das condições mas poucos fazerem algo diferente para alcançarem alguma mudança. Chorar as pitangas no Facebook, fazer textão de como o esporte é ingrato não vai te trazer ajuda.
Que o esporte e as condições são ingratas todos já ouvimos, a diferença está no que você faz com essa informação.
Se você está nessa batalha de viver do Muaythai, viver de um sonho, tem algumas coisas que deve ter em mente e podem ajudar. A primeira e talvez a mais importante é que muito provavelmente não será fácil e se é isso mesmo que você quer terá que correr muito atrás e não desistir nos primeiros desafios e “nãos” que receber.
Sonhos são bonitos quando sonhados no travesseiro, mas quando se tem que pagar o preço e viver seu cotidiano não é assim tão romântico, por isso sonhe, mas sonhe sempre com pelo menos um dedinho no chão, com sabedoria e estratégia.
Geralmente há um choque de realidade quando se busca realmente isso. Eu particularmente admiro demais quem larga tudo e vai em busca, ainda mais um sonho sem muita perspectiva, já que a realidade do esporte em geral é complicada, pensando em Muaythai aqui no Brasil então nem se fala, sem estrutura, apoio ou valorização.
Fora daqui é melhor mas também não muito diferente, grande parte consegue sobreviver do esporte, digo sobreviver, pois poucos realmente ganham dinheiro com isso e tem uma vida confortável.
Então a primeira questão que deve ter em mente é, se possível, procurar fazer um pé de meia, já que a vida útil de um lutador de alto nível é proporcionalmente curta em relação à estimativa de vida, e que Muaythai não possui fundo de garantia, aposentadoria rentável e que o sonho pode desmoronar de uma hora para outra com possíveis lesões. Pensar no que irá fazer quando essa fase da vida encerrar é uma questão que na minha visão deveria ser planejada e não pensada somente no momento que se ver na situação.
Lógico que dinheiro não é tudo e a experiência e vivência irão contar muito no final das contas. A ideia aqui não é jogar um balde de água fria em seus sonhos, apenas levantar alguns pontos e questionamentos que talvez ajudem nessa caminhada.
Ser um bom lutador é apenas uma pequena parcela até o sucesso. Trabalho duro é o principal quesito, é o mínimo que você deve fazer, se não estiver disposto a se doar 200% todos os dias, nem vale a pena começar, mas vai muito além disso. Quantos talentos dedicados vemos que não deram certo por algum motivo?
O que vejo são muitos meninos(as) com muitos sonhos mas sem a real noção do quadro em geral, com uma utopia em mente mas sem nenhuma maturidade profissional e vivências suficientes para tomarem decisões importantes.
Vejo pais preocupados com razão e treinadores que teoricamente deveriam ser os primeiros mentores muitas vezes terem papéis inconsequentes onde só pensam em incentivá-los para poder dizer “fulano é meu atleta” “eu que fiz” como se apenas o que importasse fosse o status, sem um cuidado mais amplo, sem um olhar de responsabilidade e sem o preparo que isso requer.
Ter a real consciência do que irá abrir mão aqui caso opte por sair do país (oportunidades de estudo, emprego, família, namorada, etc), para seguir essa carreira, das dificuldades que irá encontrar no caminho, ter consciência que haverão frustrações, talvez lesões, colocar tudo na balança e decidir por si mesmo se é realmente isso que quer e se vale a pena.
O treinador deveria procurar sempre expor todas essas possíveis variáveis boas e ruins, e deixar que tomem suas decisões. Incentivar os mais jovens dentro da academia a estudar, ter o Muaythai com um dos planos e não o único plano. Não dar falsa esperança e deixar bem claro a realidade.
Assim, se o sonho for frustrado de alguma forma ele tenha a real sensação de ser uma decisão pessoal e ser responsável pelas suas escolhas e consequências. Não culpar ninguém pela frustração de não ter tentado ou o sentimento de um possível “fracasso”, entre aspas pois cada um tem internamente sua própria definição de sucesso e fracasso.
Falta muitas vezes essa pessoa por trás, com uma cabeça boa, visão responsável e contatos, para aconselhar, traçar metas e colocar no caminho certo.
Fazer um PLANEJAMENTO DE CARREIRA, saber de onde saiu, onde está e onde quer chegar. A hora certa de mudar cada fase, cada degrau que irá passar, ter um senso crítico de suas condições e limitações para não dar o passo maior que a perna e não queimar etapas. Cansamos de ver atletas com muito potencial indo para fora e sendo colocados em grandes roubadas. Até tinham capacidade para chegar ali mas simplesmente ainda não era o momento certo e colocou-se tudo a perder.
É uma parceria, deve ter em mente que você não é o único, mas é o principal responsável pela sua trajetória, como diz o treinador Léo Sessegolo cada um deve fazer sua parte, se você não quiser realmente ninguém pode querer por você.
Saber que seu corpo é sua ferramenta de trabalho que irá te acompanhar durante anos e dependerá dele para seu sustento, então cuide, se é a vida que escolheu baladas, bebidas, drogas não deveriam ser opções. Alimentação e sono regrados deveriam ser uma prioridade, afinal fazem parte do treino e bom rendimento.
Lute para que o esporte se popularize, quanto mais adeptos, simpatizantes, melhor, maior visibilidade e renda girando em torno. Não se incomode com comentários de leigos sobre resultados ou desempenho de atletas, deixem que falem. Ouvi outro dia uma frase sábia do fotógrafo Mário Palhares “querem que os idiotas gastem seu dinheiro no ingresso mas não querem que falem idiotices”. Isso faz parte do show galera, não debatam com leigos, deixem eles se acharem entendedores mesmo que nunca tenham subido num ringue e dado a cara a tapa, mesmo que dê raiva isso faz parte do crescimento!
Tenha uma rede de relacionamentos e contatos. Atletas, treinadores, promotores, empresários. Ter e manter bons contato é o maior segredo do mundo de negócios. Aquela história, posso até não saber mas tenho o telefone de quem sabe. Hoje com a internet isso está mais simples, aproveitem.
Cuide de sua imagem, suas atitudes e postura são seus cartões de visita e podem abrir e fechar portas. Grande parte de seus lucros podem vir de patrocínios e nenhum empresário é obrigado a te ajudar.
Empresário ajuda a si mesmo e a sua empresa. Não encare patrocínio como esmola, é uma troca, se valorize, mostre os benefícios ao investir na sua imagem. Visibilidade, vinculação de sua empresa ao esporte, valorização da marca, etc.
Se encare como empresa e tenha parceiros de negócios e não doadores quebrantados com sua vitimização.
Tenha um portifólio bem feito, atualizado impresso para apresentação, uma página na internet com atualizações constantes, dê valor a sua marca/empresa, sabe o famoso “quem não é visto não é lembrado”? Pois é.
Cada um é responsável pela imagem que cria de si mesmo e passa para os outros. Como quer investimento dizendo ser atleta se entram em sua página no Facebook ou Instagram por exemplo e aparece bebendo, fumando, entrando em polêmicas. Pense bem, faça uma rápida reflexão, se você fosse empresário, investiria e vincularia a imagem de sua empresa a um atleta como você?
Redes sociais viraram uma importante ferramenta de socialização mas perigosa para quem vive de imagem como é o caso de atletas.
A vida é de cada um mas devem fazer uma escolha. Ou começam a se preocupar com isso ou continuam com o discurso “sou assim mesmo”, “ninguém paga minhas contas”, “não ligo para a opinião dos outros” e continuam se lamentando com discursos de autovitimismo que ninguém te ajuda ou o esporte é ingrato.
Tem um ditado que diz “Na terra das oportunidades o que não faltam são os oportunistas”. Existem oportunidades e elas devem ser aproveitadas, e geralmente os mais capacitados as enxergam e usufruem, mas não confunda com oportunismo, não passe por cima de ninguém, se adiante sem atrasar o lado do próximo.
A real é que a vida inteira é feita de escolhas, oportunidades, consequências e decisões que podem ou não dar certo e seria lindo se pudéssemos ver os resultados antes das ações. Mas no final o que vale é caminho percorrido, as amizades feitas, as histórias para contar e o caráter com que chegou até o final de tudo. Se conseguir fazer tudo com um pouco de sabedoria, com parceiros ajudando e humildade para ouvir e aprender todos os dias, tudo isso torna o caminho mais suave e significativo, sem tantas pedras e obstáculos.
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