Chegou a minha hora

Chegou a minha hora

08/11/2016 0 Por Nathalia Viana

E depois de tanto sonhar com os ringues, finalmente chegou a minha vez. No dia 29 de outubro fiz a minha primeira luta na terceira edição do Super Girls, no Portuários Stadium. A experiência ainda parece meio sonho e é tanta emoção diferente junta, que é até difícil lembrar com detalhes. Mesmo assim, já escrevi e reescrevi sobre isso diversas vezes tentando resumir no papel uma felicidade que não cabe na alma.

Depois de tantos treinos, tantas conversas, tanto sacrifício, o tempo voou de uma vez e de repente já era a semana da luta. Nesse ponto, a preocupação com o peso (coisa de marinheiro de primeira viagem) era tão grande que mal tive tempo de ficar ansiosa com a luta em si. Até que subi na balança e me dei conta: o próximo passo é lutar. Simples assim.

Na noite anterior eu dormi mal. Sou uma pessoa extremamente ansiosa e já estava sendo um milagre eu conseguir me controlar até aquele ponto, uma única noite mal dormida foi lucro. Mas acordei bem, me sentindo forte, confiante e pronta para enfrentar o maior desafio que eu já tinha encarado. Tentei não ficar pensando muito na luta para não aumentar a ansiedade e fui me concentrando sempre no próximo passo do dia. Até entrar no Portuários.

Quando eu parei na porta do estádio e disse em voz alta “eu vou lutar”, aí ficou difícil me conter. Porque mesmo depois de toda aquela preparação, ainda era difícil imaginar que aquele palco, onde vi tantos ídolos e inspirações lutarem, seria meu. Era a minha hora. E a emoção bateu forte naquela hora, de repente eu não estava mais ouvindo a conversa à minha volta e só conseguia ver o ringue na minha frente. Faltava pouco.

Como chegamos cedo ao evento, fizemos uma horinha no bar ao lado, a galera na cerveja e eu na água, claro. Foi bom, me distraí e consegui voltar ao controle da emoção, mas depois que voltamos para dentro do Portuários o tempo passou muito rápido e quando percebi já estava fazendo a mão e indo me trocar. Eu estava tranquila, focada, e mais calma até do que os meus amigos — uma amiga já chegou chorando aos prantos dizendo que estava com medo de eu me machucar!

Dentro da salinha do óleo, tudo pronto. Eu repetia para mim mesma o mantra que ecoou na minha mente por pelo menos dois meses: eu treinei para isso, eu estou preparada e vou fazer uma boa luta. Aí eu olho para o lado e vejo a Wânia Gonçalves (CTC), minha adversária. Ela conseguia ser ainda mais alta que os meus um metro e setenta de altura. De novo: eu treinei para isso, eu estou preparada e vou fazer uma boa luta. E aí eu ouvi chamarem o meu nome. Era a hora.

Daí para a frente ainda parece sonho. Lembro-me de ouvir a torcida gritar o meu nome só até o começo do primeiro round, depois disso, tudo era só barulho de fundo. Nos primeiros golpes pensei  “ok, essa é a dor que você vai sentir até o final, acostume-se”. Ainda no primeiro round minha canela esquerda abriu durante um bloqueio, no segundo, o sangue já escorria até a tornozeleira. Um dos poucos diálogos que me lembro com total clareza foi meu treinador me dizendo para chutar de direita para não abrir mais o corte, e eu respondi que tinha machucado o pé direito chutando. Ele disse que não era a hora de sentir dor e eu só consegui responder “demorou, então eu vou chutar com as duas”.

whatsapp-image-2016-11-08-at-09-53-59

Foto de Mario Palhares

Essa sensação da adrenalina é muito louca. Você sente a dor, mas continua. Eu só conseguia pensar que se eu não golpeasse, era ela quem iria me bater. E a mão dela era forte. No terceiro round tomei um cruzado de direita na têmpora, e tive certeza de que iria para a lona. Senti uma dor aguda, um formigamento no maxilar e perdi totalmente o equilíbrio, só conseguia pensar em procurar algo para me segurar. Exatamente nessa hora, ela encurtou e eu só tive tempo de abraça-la. No momento em que recuperei o equilíbrio comecei a colocar o joelho com toda a minha força, porque sabia que se eu não a machucasse, eu seria derrubada.

Quando voltei para o quarto round eu estava cansada. Era um cansaço muscular, eu ainda respirava bem, mas já sentia o corpo começar a pesar. Só pensava que o round era curto, mais nada. Simplesmente batia onde achava espaço e tentava evitar os socos. E novamente me achei no clinche. No intervalo, meus corners disseram que eu tinha ganhado, e que agora era saber administrar. Foi o primeiro momento em que eu pensei em resultado até ali, porque até então eu só pensava que tinha uma mina maior que eu me batendo forte e que eu tinha que bater mais ainda.

O pensamento continuou no último round, até que num susto eu ouvi o corner mandando eu parar e ficar longe. Recolhi o chute no meio do caminho e obedeci. Quando soou o gongo final, eu nem acreditei. A felicidade de sentir o dever o cumprido é incomparável. Naquele momento a comemoração não tinha nada a ver com o resultado, mas com a satisfação de ver todo o esforço valer a pena. É claro que eu desejava a vitória mais que tudo, mas terminar a luta sabendo que eu fiz o meu melhor, que eu consegui colocar em prática aquilo que eu treinei até a exaustão, isso é sensacional. E quando o Douglas, que foi o árbitro central, ergueu minha mão, aquele momento foi o motivo de todo o esforço, do todo o sofrimento, toda dor, toda privação e todo o foco de mais de dois meses trabalhando duro.

Agora ficam só as histórias engraçadas, como o meu corner fazendo massagem com o bucal na mão e colocando ele de volta na minha boca cheio de óleo, ou o meu marido quase surtando na plateia e dando cada golpe junto comigo. Ainda assim, tudo ainda parece surreal. Já perdi a conta de quantas vezes assisti minha luta (o vídeo está disponível abaixo), e como a louca obsessiva perfeccionista que sou, vi inúmeras falhas, uma infinidade de coisas que preciso corrigir e mais um monte de coisas que faria diferente. Mesmo assim, não poderia estar mais feliz com a minha experiência, e já estou com os olhinhos brilhando para a próxima!

 

E você? Já lutou e tem uma história para contar? Está se preparando para estrear também? Conta para a gente aqui embaixo nos comentários! 😉