Córner: Função, importância e responsabilidade
21/03/2017Falamos muito sobre o atleta, de suas responsabilidades, erros e desempenho. Mas e o outro lado? A responsabilidade, importância e função do treinador e dos córners?
Você que está lendo esse texto, alguma vez já lutou sem córner? Ou com um córner improvisado que não conhecia suas limitações, características e qualidades? Ou ainda um que não falava seu idioma? Só quem já vivenciou isso na pele sabe de verdade a importância e a diferença que faz ter um bom córner ao qual confia e sabe o que faz.
Os lutadores são as grandes estrelas do show, são eles que dão a cara a tapa, que fazem o espetáculo, mas o resultado é consequência de um trabalho em equipe. Quando um atleta sobe ao ringue representa todos aqueles que o ajudaram. Todos indiretamente sobem junto.
O trabalho de córner começa ainda na pesagem, garantir que seu atleta bata o peso, ajudá-lo na recuperação e conferir as condições de seu adversário, se está debilitado pela perda de peso e caso não o conheça analisar de perto suas características que podem influenciar, como: altura, envergadura, perna fina, pescoço fraco, etc.
No dia da luta, ao chegar, fazemos um reconhecimento rápido do local. Ringue, torcida, grupo de arbitragem escalado para o dia, cronograma das lutas, organizar material, água, gelo, óleo, bandagem, esparadrapo, mongkon, phuangmalai, o vestiário, e é aí que começa o mais importante do pré luta, o TRABALHO DE VESTIÁRIO.
Onde ficará os últimos momentos. Onde faremos a mão de nosso atleta, momento esse que uso para uma última conversa, sentir como está psicologicamente, tensão, nervosismo, motivação.
Cada um tem um “”rito” momentos antes, uns ouvem música, outros andam de um lado para outro, alguns ficam quietos no canto, falam somente o necessário, focados, parecem aqueles cães de rinha esperando o momento
em que soltam a coleira. Mas uma coisa é certa, vestiário não é lugar de muita brincadeira, é lugar de concentração.
Antigamente era comum aquecerem batendo nos aparadores, TODOS nós mais antigos fazíamos isso, algumas equipes ainda o fazem. Já vi atleta batendo mais de meia hora antes da luta e quando subiu lutou um round e
“morreu”, exausto, não conseguia levantar o braço.
Com a evolução do esporte aqui no Brasil, aprendemos a substituir todo esse aquecimento desnecessário pela massagem com óleo momentos antes da luta e uma soltura, um alongamento que são mais que suficientes. Não
desgastamos o corpo, conseguimos aquele momento final de concentração e o corpo fica preparado para a ação.
Nós treinadores temos a função de instruir tecnicamente e motivar na medida certa. Acelerar quem está muito calmo, acalmar quem está deixando a adrenalina dominar. Podemos ganhar uma luta com orientações mas também
com o estímulo certo. Cada atleta tem uma necessidade e ninguém melhor que o treinador para ter esse feeling, saber o que falar e a maneira de falar.
Lutador tem de subir ao ringue sabendo o que deve ser feito. Ter uma estratégia é importantíssimo, não é só ir lá e trocar porrada, tem que estudar seu adversário, é um jogo de xadrez, encaixar suas características físicas e técnicas dentro das dele e traçar um plano de luta.
Mas isso tudo deve ser definido na academia, deve-se treinar em cima dela, vestiário não é lugar para treinar técnicas em cima da hora, não vai adiantar, isso passa um ar de insegurança. Se o treinador fica mais nervoso que seu atleta, descontrolado, quem está no comando? Se torna um barco a deriva só esperando afundar. Atleta tem que sentir confiança e serenidade em seu comandante.
Sofremos sim junto, é mais ou menos como andar de moto com instrutor. Ele sabe o que você tem que fazer, ele te ensinou, pode te orientar, mas ali é você que está no comando das ações, temos que confiar e mostrar essa confiança em seu trabalho mesmo morrendo de medo de cair. Acreditem, é mais fácil ser o piloto do que ficar na garupa.
Na hora da luta é uma coreografia louca, grita, gesticula, levanta, xinga, comemora, literalmente lutamos junto, mas não podemos perder a lucidez do que está acontecendo, temos que nos controlar e sermos o cabeça, ter sangue frio para analisar cada situação e agir de acordo.
Com o decorrer da luta vamos moldando a estratégia pré elaborada conforme os acontecimentos e isso é o mais importante e o mais difícil também, treinador precisa ter Visão de luta, conseguir enxergar os caminhos e não simplesmente assistir a luta como espectador, dar água no intervalo, e soltar aqueles gritos super “fundamentados” do tipo “Bate neeele”.
Geralmente nos eventos são permitidos 3 (três) córners. Cada um com sua função, um dá água, gelo, outro alonga, massageia e apenas um fala ou pelo menos um de cada vez.
Imagina, o lutador acabou de sair na mão com seu adversário, toca o gongo, mal chega ao corner já vem 3 vomitando informações em sua orelha, sinceramente, é humanamente impossível absorver alguma coisa. Temos dois minutos de intervalo, deixe ele vir com calma, use alguns segundos para acalmá-lo, deixe respirar fundo, entender o que está
acontecendo para depois vir com as instruções. Fale pouco, somente o principal, sinta como está seu atleta novamente, se precisa de um choque de realidade para acordar ou se precisa acalmá-lo. Nessa hora podemos salvar a luta ou colocar tudo a perder de vez.
Entre em sincronia com seu atleta, use palavras chave e gestos simples que ele entenda lá de cima. No Muaythai temos gestos específicos pra cada movimento que facilita a comunicação, procure conhecer.
Somos o termômetro da luta, através de nós que saberá se está ganhando, perdendo, onde está errando, pontos fortes e fracos do adversário, onde insistir e abrir caminho para vencer, onde se resguardar, se ataca, ou administra…
Uma exemplo comum que vejo no Brasil é corner no quinto round pedir para seu atleta sair, não trabalhar, onde na cabeça dele já garantiu a luta e na verdade não e acaba perdendo uma luta que estava na mão.
Por isso a importância do corner estar lúcido e o mais importante, conhecer as regras e a malandragem do jogo. Como pode um treinador ensinar e orientar um esporte ao qual não conhece as regras? Isso não acontece em nenhum outro esporte por que no Muaythai isso existe?
Sei que tudo é novidade aqui, estamos ainda num período de transição, mas não é vergonha nenhuma correr atrás, perguntar, trabalhar corretamente, começar do zero se preciso for.
Vergonhoso é sair reclamando do resultado, sendo que a culpa é sua que é preguiçoso, orgulhoso, não busca se reciclar, e quer colocar a sua culpa nas costas dos árbitros que estudam muito para estarem ali.
E não adianta ouvir lá na reunião de regras aquele resumão, se achar o entendedor e pedir para o coitado do atleta fazer, se ele não treinar em cima das regras ele não lutará na regra.
Sim, erros acontecem, são humanos, mas posso afirmar que pelo menos aqui em SP mais de 90% das reclamações de córners sobre resultados são equivocados. Ou por falta de conhecimento ou por ter super valorizado as ações de seu atleta. E isso acontece muito. Estamos tão envolvidos que subconscientemente, principalmente quando se trata de uma luta equilibrada acabamos enxergando “outra luta” algumas vezes.
Então, quando acontecer algum resultado em que não concordar não saia gesticulando, xingando, querendo ver papeleta. Procure saber o porquê do seu atleta ter perdido, assista ao vídeo depois com calma, o resultado não será alterado na hora, se houve erro isso se resolverá depois, respeite quem está trabalhando. Ninguém sai em sã consciência de casa, larga família, para ir prejudicar o trabalho de outra pessoa, não existem roubos e sim erros que infelizmente acontecem, porém numa proporção muito menor que antes.
Córners e treinadores estudem essa posição, estudem regras, façam o trabalho, depois é fácil reclamar com o atleta mas será que você fez sua parte? Quando se trabalha em conjunto um confiando no outro, cada um entendendo e tendo responsabilidade em seu papel e se colocando em seu lugar os resultados vêm com mais naturalidade. Quer ver um treinador louco é não fazer ou nem tentar fazer o que é pedido. Existem atletas que acham que fazer corner é como jogar vídeo game, manda chutar eles chutam, manda socar eles socam. Já outros teimosos cada luta é um parto para o treinador. Já ouviram falar em sexto round? Acho que aqui não chega a castigo físico, ninguém chega a tanto. Mas pode rolar um castigo mais tranquilo do tipo se treinador queria que chutasse, não chutou, próximo treino vai chutar tudo que não chutou na luta vezes Mil.
Seu treinador sabe quando está tentando, sabe do que você é capaz, suas limitações, o que pode te cobrar e o que não pode, sabe quando está fingindo dor, quando está dando seu máximo, até aonde seu “coração” suporta pressão, treinador pode às vezes até se fazer enganar mas ele sempre sabe, não abuse de sua boa vontade.
Enfim, ser córner de um atleta é mais do que simplesmente sair junto na foto depois da luta ou não pagar ingresso para entrar no evento. É uma posição importante de responsabilidade e confiança. Levem isso a sério.
Caraca, que Post Top falou somente tudo Cazolari, parabéns!
Valeu Mariano!!!