O corte não é só de peso
04/04/2017Corte de peso é um assunto polêmico, com opiniões, teses, afirmações e muitos achismos. Mas acredito que todos concordam em uma coisa. Essa prática não é saudável aos atletas. A divisão por peso nos esportes de combate incluindo o Muaythai foi criada para que a disputa entre os atletas pudesse ser mais justa, teoricamente são dois atletas de mesmo peso se enfrentando.
Porém, na tentativa de “burlar” e ter alguma vantagem na luta é feito o corte de peso. Colocam-se atletas uma, duas, três categorias abaixo da dele na esperança de lutar com atletas mais leves ou mais baixos.
Na grande maioria sem nenhuma noção de métodos, acompanhamento ou preocupação no que pode acarretar a curto, médio e longo prazo em sua saúde e desempenho, já que nesses casos a preocupação fica apenas com o
peso em si marcado na balança e não nas condições na qual o atleta atinge a meta e em sua recuperação.
E pensando na luta, a recuperação é muito mais importante do que a perda. O corpo humano é uma máquina extremamente complexa, com milhões de funções, processos, reações, tudo interligado, não é um boneco
inflável que se enche e esvazia como quer sem comprometer sua estrutura e funcionalidade.
Esse processo se baseia na perda abrupta de peso que começa aproximadamente de 2 a 3 semanas antes da pesagem onde o atleta já faz uma dieta hipocalórica severa, aumento da intensidade e carga de treinamento e tem seu pico máximo de absurdo na última semana onde somamos isso à desidratação.
O corpo humano é composto aproximadamente 70% por água, onde entre as muitas funções ajudam nas reações químicas, eliminação de substâncias tóxicas, controle de temperatura, transporte de nutrientes, etc.
A sede é o primeiro sintoma de desidratação leve, onde seu cérebro avisa a necessidade de água. A partir daí irá ladeira abaixo. Tonturas, dores de cabeça, problemas na termorregulação, seu corpo irá aquecer como um motor sem radiador. Terá perda de concentração, apatia, até a elasticidade de sua pele terá alteração. Perderá junto com o líquido seus eletrólitos, rins sobrecarregados, aumento de toxinas até virar uma uva passa e entrar em óbito.
E não é exagero, existem triatletas que entraram em processo de desidratação e morreram em apenas 2 horas de prova.
Essa eliminação de líquido é feita das mais variadas e criativas formas, através de corridas com capa térmica, sauna até uso de medicamentos como diuréticos, laxantes e termogênicos, podendo chegar até a indução de vômitos ou colocar o camarada dentro de um porta malas como já presenciei.
Esse processo de dieta severa e desidratação pode acarretar diversas alterações fisiológicas, psicológicas e de desempenho, que somado ao treino exaustivo deixa em colapso nosso organismo com uma série de desordens como: desequilíbrio hormonal, alteração do sistema cardiovascular, desequilíbrio hidroeletrolítico, diminuição da função
renal, déficits cognitivos, diminuição do estado nutricional proteico, alterações metabólicas, sensação de diminuição do vigorfísico, raiva, depressão, fadiga e tensão, redução na força muscular, na potência anaeróbia, na capacidade aeróbia, na capacidade de manutenção da glicemia, enfim, inúmeros danos que podem se tornar agudos e até crônicos.
Não preciso nem dizer que esse processo em menores de idade onde ainda estão se formando e desenvolvendo é ainda mais absurdo.
Lembrando que esse processo é recorrente ao longo da vida de um atleta, perda e ganho rápido de peso o que geram adaptações fisiológicas as quais tornam o corpo cada vez mais eficiente na utilização e armazenamento de energia e, somando com uma diminuição da taxa metabólica basal, o que torna os próximos processos mais difíceis, exigindo
restrições energéticas cada vez maiores.
Sem contar os danos permanentes que podem ocorrer como dar pane em seus rins e ter que depender de hemodiálise o resto dá vida.
Existe ainda a crença de que comendo e bebendo após a pesagem irá ocorrer a restauração completa da força, o que não é verdade pode-se até chegar próximo ao peso anterior, mas sabe-se por exemplo que o restabelecimento da homeostase hídrica pode levar de 24 a 48 horas e a restauração das reservas de glicogênio muscular pode levar até 72 horas. Entre outros fatores.
Antigamente nem todas as equipes faziam esse corte, então ok, poderia se ter alguma vantagem, mas hoje? Praticamente todos fazem!
Então me digam, qual o sentido disso? Dois atletas com peso 80kg off batem 70kg na pesagem e no dia seguinte estão com os mesmos 80kg novamente. Está virando uma bola de neve, onde os atletas e treinadores querem tirar cada vez mais peso e baixar mais de categoria fazendo com que seu corpo chegue cada vez mais no limite colocando em risco sua saúde e sem exagerar sua vida também.
Não é incomum ouvirmos falar em atletas saudáveis que morreram no processo seja o motivo que for. É inaceitável um jovem esportista morrer por uma falta de organização, irresponsabilidade e negligência do esporte num geral, por que a culpa não é apenas do treinador.
A perda de peso abrupta pode ser feita de maneira mais segura, dificilmente saudável mas pelo menos mais segura, se tiver um acompanhamento médico, nutricional, preparador físico, mas sabemos que não é a realidade de quase 100% dos atletas que muitas vezes não tem nem material de treino próprio.
– Ah, mas os meus eu sei o que faço.
Será mesmo? E mesmo se souber ou achar que sabe será que nós treinadores e promotores não somos no mínimo
cúmplices dessas mortes que ocorrem? Já que mesmo que não façamos temos conhecimento das loucuras que fazem por aí para chegarem no peso, desmaiam, voltam e continuam, tem câimbras por conta dos diuréticos, mas isso é “normal”.
Normal até seu atleta ter uma parada dentro da academia ou da sauna, aí será tarde e teremos que conviver com isso. E pra que? Pra ganhar uma luta onde muitas vezes não recebe nada ou recebe 300, 500, mil reais? Sem contar os gastos, se for colocar na ponta do lápis o que se gasta na dieta, soro, gasolina e tempo indo a pesagem um dia antes muitas vezes mesmo recebendo algum ainda paga pra lutar.
O peso deveria ser uma mera formalidade e não o foco principal, pois é isso que acontece muitas vezes, o cara nem está preocupado nem centrado na luta, a preocupação dele é se vai atingir o peso e já sofre antecipadamente pelo processo. Tanto é que atletas que perdem muito peso entram na dieta semanas antes em sua maioria sem acompanhamento, sem oferecer nutrientes necessários para que seus sistemas energéticos trabalhem de forma adequada, o que atrapalha seu rendimento na preparação e consequentemente na competição.
Hoje enxergamos isso fazendo parte porque todos os eventos fazem então fazemos para não sermos prejudicados, e não estou sendo hipócrita aqui pois também faço, a grande maioria dos meus atletas não tiram muito, mas também tenho os que tiram e toda vez sei o sofrimento deles, sei o que é, e tomo os cuidados necessários que ainda são poucos.
A mudança está em nossas mãos, os eventos tem autonomia para isso, aqui no Brasil tivemos o SipSam onde suas edições foram sem pesagem com lutas bem casadas e foi um sucesso. Na Tailândia eventos show como Thai Fight,
Max Muaythai, Super Muaythai são um dia antes. Na várzea muitas vezes olham dois atletas ali na hora e casam a luta. Nos ESTÁDIOS são realizadas no MESMO DIA.
Toda mudança terá uma fase de adaptação, reestruturação de categorias, mas pela saúde de nossos atletas não vale a pena?
O problema é que aqui a maioria ou é 8 ou 80, “atleta” tem uma grande parcela de responsabilidade nisso, atleta deve ser atleta em todas as áreas, se luta por exemplo na 60kg manter 65, 66kg com uma alimentação saudável, agora quer manter off de 75kg com dieta a base de Doritos, Coca Cola e Passatempo, depois reclama do sofrimento pra bater o peso.
Uma OPINIÃO minha, a pesagem deveria ser feita 1 – 2 horas antes do evento. Todos ganham. Evento ganha pois aproveitaria a equipe de arbitragem para acompanhar, teria muito menos baixas por conta de peso, não teriam problemas com atraso para o início pois todos já estariam no local, as disputas seriam realmente mais justas. Ganha público, com a pontualidade e com o espetáculo com atletas realmente 100% preparados e dispostos. E ganham os atletas financeiramente com menos gastos e poderiam lutar mais vezes já que atletas que perdem muito peso não podem fazer esse processo mais de uma vez no mês e o principal preservaríamos muito a saúde e integridade física de nossos atletas e diminuiria drasticamente o número de incidentes nesse processo.
Enfim pessoal, essa é minha visão, não quero nem tenho poder de impor nada, é um texto apenas reflexivo, informativo e talvez uma abertura de canal para debate sobre o tema. Pensem, quem defende a pesagem um dia
antes quais são seus argumentos? Para mim não é apenas um corte de peso e sim de saúde, desempenho e as vezes de vida.
Concordo plenamente. Seria muito bom se cada um lutasse na categoria que pesa realmente ou, pelo menos, próximo disso. Divisão por peso foi criada para evitar que atletas lutassem contra alguém muito maior ou menor, e não pra ser da forma que acontece hoje. Seria muito bom se todos se conscientizassem e pelo menos pensassem no assunto.