Simples, porém difícil
16/11/2020No meio da luta, ouvimos tanto sobre determinação, sobre superar limites, que isso vira uma obsessão. Em um determinado ponto, é fácil confundir força de vontade com teimosia, determinação com imprudência. Falamos tanto sobre pressão, mas nenhuma pressão é maior do que a que você coloca sobre você mesmo. Porque a sua vida pode até girar em torno da luta (ou de qualquer outro esporte, ou de qualquer outra profissão), mas sempre que algo é tão grandioso para você, sempre que você dedica tanto da sua existência para uma única coisa, o resto acaba se perdendo.
Quando decidi competir pela primeira vez, meu maior medo era subir no ringue e travar. Eu tinha pavor, não de perder ou de lutar feio, mas de não fazer. E eu devo ser o pior tipo de atleta, porque eu me cobrava tanto que perdia a cabeça o tempo todo, fazia mais do que me pediam e acabava sempre muito cansada, ignorava os limites do meu corpo e acabava lesionada. Um pesadelo. Eu sempre fui uma pessoa de extremos. Sempre fui do tudo ou nada. Acho que a frase que mais repeti na vida foi “se não for pra fazer direito é melhor nem botar a mão”.
O difícil é achar algum equilíbrio no meio de tudo isso. Porque você quer ser o melhor lutador, mas também quer sair com os seus amigos. Quer treinar como se sua vida dependesse disso, mas também quer ter disposição para jogar seu filho para o alto quando chegar em casa. Quer bater o peso, mas também quer comer sua comida favorita que sua mãe fez no final de semana. Você quer ser o melhor, mas também quer ser só uma pessoa normal, que pode viver sem a pressão de todos (mas principalmente você mesmo) te julgarem pelos seus erros.
Afinal de contas, você é só uma pessoa normal, não é mesmo? Não. Porque a verdade é que se você é atleta (seja o profissional, que depende disso para viver, ou o amador que não compete por uma série de razões, mas que é aficionado e passa a maior parte do seu tempo falando, assistindo ou treinando), você não é normal. Porque ninguém é capaz de fazer o que um atleta faz sem ser um pouquinho obsessivo. Ninguém sente as dores e continua, ninguém ouve as críticas e transforma em motivação, ninguém tem tanta obstinação, sem ser minimamente obsessivo.
É como quando você pede para alguém fazer uma coisa simples, porém difícil. Como, por exemplo, pegar uma coisa que está só um pouco mais alto do que você consegue alcançar. É simples, basta se esticar, e está tão perto! Mas é difícil, seus dedos encostam no objeto, mas quando você tenta pegá-lo, acaba empurrando-o mais longe. Existem dois tipos de pessoa, a que vai olhar em volta, achar alguém mais alto e pedir ajuda. E a que vai ficar ali até conseguir alcançar, porque pedir para outra pessoa fazer isso, é admitir que você não é capaz de fazer. Eu ficaria horas ali tentando, o que é estúpido. Mas eu te garanto que eu pegaria o objeto.
O problema não está necessariamente em pedir ajuda. Porque se estamos falando de algo que precisa de esforço coletivo, tentar sozinho não é determinação, resiliência ou teimosia, é só burrice mesmo. Não é como se não fôssemos dar ouvido ao treinador ou a alguém que pode nos ensinar algo. Mas o seu treinador não pode pegar o objeto por você, ele vai te dizer para se mover mais para a esquerda ou para a direita, vai dizer que você está empurrando o objeto em vez de alcança-lo, ele pode até se oferecer para você se apoiar nele para alcançar mais longe, mas ele não pode pegar o objeto por você.
A grande questão é que há coisas que só você pode fazer. É você quem tem que entender o seu corpo e os seus limites. É você quem precisa saber até onde você é capaz de ir, porque as pessoas à sua volta sempre vão dar o seu máximo para que você continue indo (pelo menos é o que se espera que elas façam), mas é você quem precisa enxergar o quão perto da beirada você está, e continuar andando na direção errada não é determinação, é só perda de tempo.
Todos têm um limite, e para pessoas como nós é extremamente doloroso admitir que chegamos a ele. Mas insistir quando já se chegou ao limite pode parecer corajoso, pode ser o que você está acostumado a fazer, mas a determinação, a resiliência, a disciplina, estão justamente em admitir que às vezes é preciso recomeçar para ir mais longe. E recomeçar, isso sim requer coragem e determinação.