Da base ao topo

Da base ao topo

07/02/2017 2 Por Felipe Cazolari

Tem coisa mais louca que ver a evolução de um atleta que você começou a trabalhar do zero, uma pessoa “comum”, se tornar um lutador?

Aqui no Brasil há duas formas de trabalhar o Muaythai: aulas comerciais e treino de atletas (são dois trabalhos distintos, necessários, e que não devem se misturar). O comercial é o que move financeiramente a academia e é onde começa o trabalho, onde apresentamos o esporte, damos a base, o primeiro jab, mas ainda sem a pressão da parte competitiva. Precisamos fazermos a pessoa tomar gosto e termos olho clínico para descobrir novos atletas vendo aquele algo a mais aonde muitas vezes ninguém mais vê. As vezes naquele gordinho que entrou perdido no primeiro dia, naquela “patricinha”, naquele “maloqueiro”. Descobrir novos talentos numa turma de pessoas com os mais diferentes objetivos desde a menininha que quer ter um corpo legal ao louco que já diz querer ser lutador.

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Escolher certo quem vai treinar é tão importante quanto o treino em si. Semelhantemente acontece com os atletas, só que aqui todos compartilham o mesmo objetivo, serem CAMPEÕES, porém, não é tão simples. A rotina irá mostrar quem é quem e podemos observar algumas características:

  • O Emocionado: que achou que queria, mas na verdade não queria tanto assim. Não dura 1 mês ou a primeira luta (a maioria);
  • O Esforçado: que pode se tornar um bom lutador e fazer uma carreira sólida com grandes conquistas. Recompensa a falta de talento com muita vontade;
  • O Talentoso: é o que geralmente da mais trabalho. Temos sempre que ficar na cola e as vezes se torna um desperdício. Vemos que tem potencial para ser, mas por alguma razão não vai, geralmente por acomodação ou preguiça. Percebe que consegue lutar bem e ganhar mesmo sem treinar, e vai sempre se manter mediano. Ou por ter cabeça ruim, ou por falta de coração, começa bem a luta, mas do meio para o final, quando a coisa aperta, tudo desanda.
  • E temos o campeão: que é o cara diferenciado, raro, o cara que parece que nasceu pra bater nos outros. Geralmente consegue aliar o talento a um querer mais que qualquer coisa na vida e tem a sorte e o olhar de campeão, aquele que se motiva com a adversidade; 

Sempre que se propor a ensinar alguém visualize um campeão lá na frente. Tenha certeza que fará a sua parte, e mesmo que ele também faça a dele, ainda assim não é garantido. Só o tempo vai dizer e muitos aspectos irão influenciar como: parte técnica, montar o estilo de lutador que será dentro de suas características, habilidades e dificuldades, montar estratégia de luta para cada adversário, e até “educar” ou “reeducar” como pessoa dentro do possível, trabalhando seus princípios e valores.

Há os aspectos relacionados à sua vida pessoal e profissional. São escolhas individuais, muitas vezes difíceis pois ficamos entre o amor pelo esporte e a realidade financeira que o esporte se encontra, que infelizmente, está longe de ser a ideal para se  viver aqui no país.

Mas o passo inicial é um acreditar no outro, uma troca mútua de confiança, respeito, gratidão, cumplicidade, entrega e admiração no trabalho. Ter em mente que vai ser uma estrada longa e árdua, não vai acontecer do dia para a noite, virão fases boas e ruins, vitórias e derrotas, lesões, dúvidas, sucessos e fracassos, amizades, grandes surpresas e grandes decepções, e terá que aprender a lidar com tudo isso.

Acredite sempre em seu treinador, ele irá trilhar sua carreira. Obedeça, mesmo nas menores coisas. Se mandou chutar 50 não chute 49, se mandou plantar bananeira não pergunte por que, pergunte quantas. Bater cansa? Cansa! Mas apanhar dói, e aí o que vai ser? Ouça e faça, ou pelo menos tente. Treinador terá que ter sabedoria para abrir e fechar as portas na hora certa, tudo ao seu tempo, sem queimar etapas, e planejar a carreira degrau por degrau.

Independente do seu perfil de trabalho, se vai ser amigo, ou uma relação estritamente profissional, se é bonzinho ou carrasco, tenha postura de treinador. Postura de uma pessoa que está ali como espelho e é líder de um grupo.

Infelizmente hoje vemos, assim como o atleta emocionado, o treinador emocionado. Treinador que as vezes faz um bom trabalho técnico mas não tem voz, não exerce liderança e não passa credibilidade nem para seus atletas o que dirá para outros treinadores e promotores. Olhamos e não vemos alguém que lidere, que  coloque ordem e dê um norte para a equipe. Saiba dizer não, repreender quando precisar, elogiar quando merecer, pedir desculpas se errar, portar-se com os outros ou em rede social. Seja exemplo!

Existe o ídolo apenas de sua equipe e o ídolo que ultrapassa bandeira. Seus atos e palavras dentro e fora do ringue irão definir isso. Reconhecimento e admiração não se impõe, e vão além de fazer boas lutas. Oriente seus comandados e tenha sempre portas abertas onde chegue. Como meu amigo e grande treinador João Fernandes diz a seus atletas: “ande sempre com uma agulha no bolso, quando sentir que seu ego está inflado, pegue, e baixe a bola”.

O bom treinador pega uma peça bruta, molda e se molda junto até se tornar uma jóia. No caso do Muaythai uma jóia bruta, sem delicadeza ou fragilidade em serviço. Mesmo os mais técnicos – treinador e atleta – ter a boa e velha brutalidade dentro de si para quando necessário. E o mais importante, sempre fazer com o coração. Ter em mente que aquela pessoa está dando dois de seus maiores bens em suas mãos: seu corpo e seus sonhos, e com isso não se brinca.

O atleta saber que o treinador está ali para o seu bem, tomando bica nos braços, gastando tempo com a família sem receber muito. Mas, seu maior pagamento é ver o resultado do seu trabalho, você se tornando um bom atleta, um campeão, mas acima de tudo uma boa pessoa, honesta e responsável. Que olhem para trás e vejam que valeu a pena. Quem reconheçam quem esteve ao seu lado durante o caminho, porque ninguém se torna campeão sozinho.