ESPECIAL Treino para gestantes | Parte 2

ESPECIAL Treino para gestantes | Parte 2

27/03/2018 0 Por Nathalia Viana

Na primeira parte do Especial Treino para gestantes, contamos a história da Karina, que descobriu que havia lutado grávida e acabou tendo que se afastar do treino durante sua gestação. Hoje trazemos a visão de uma profissional de saúde sobre a questão. Mas não é qualquer opinião, porque nossa entrevistada não só é obstetra, mas também praticante de muaythai há 3 anos, e está no seu sexto mês de gestação do Rafael — e sem abandonar seus treinos (prevemos um futuro lutador aí!).

A OBSTETRA

Yoksutai: Quais são as recomendações básicas para uma gestante que deseje praticar algum tipo de atividade física?

Luciana: O correto é primeiro avaliar se há algum impedimento por ocorrência de comorbidades obstétricas (veja quais são elas no fim da entrevista), nesse caso, pode ser necessário interromper o exercício físico durante a gravidez; do contrário, pode-se manter suas atividades pré-gestacionais ou iniciá-las. Os consensos atuais recomendam, no mínimo, 150 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana.

Qualquer exercício de contato deveria, em teoria, ser evitado. Gestantes devem evitar os chutes frontais e os socos no abdome. Também é necessário que durante a prática de exercícios mais extenuantes seja dada atenção à temperatura do local (alguns estudos orientam que a temperatura corporal da gestante não deva chegar a 39 graus por possíveis riscos ao feto, principalmente no primeiro trimestre); assim como à hidratação, alimentação, padrão respiratório e frequência cardíaca da gestante (quanto maior a frequência cardíaca, maior o desvio de sangue para os músculos e ditos “órgãos-nobres”, que não é o caso do útero).

Lembrando que, com o avançar da gestação, por alterações fisiológicas do organismo, a prática dos exercícios fica mais “dificultada”.

Y: O tipo de exercício de contato a ser evitado, é específico para a região do abdômen?

L: Inicialmente pensamos na região pélvica e abdominal, mas com o passar das semanas e, consequentemente, do volume uterino, traumas de maior intensidade devem ser evitados. Isso também vale para outros esportes de contato e para aqueles em que há grande chance de queda.

Y: Seria possível, então, fazer as demais atividades do treino evitando o sparing? Se sim, haveria algum momento da gravidez em que você aconselharia o interromper das atividades completamente?

L: Sim! Não há motivos para cessar os treinos com exceção da parte de sparring. A interrupção pode ser orientada se qualquer comorbidade obstétrica surgir ou na presença de indisposição da gestante. Se a paciente estiver bem, sem queixas clínicas ou obstétricas não há razão para parar o treino.

Y: Quais são os parâmetros para que uma mulher previamente sedentária inicie a prática de muaythai?

L: O ideal é que a paciente inicie uma atividade física antes de engravidar, mas as sedentárias podem iniciar a prática devagar e ir aumentando a intensidade ao longo das semanas, já que os treinos de muaythai podem ser considerados de intensidade alta. O mais importante é respeitar o limite de cada gestante, ao iniciar com os treinos não podemos esperar que uma pessoa previamente sedentária consiga se manter ativa no período de 60 minutos.

Y: No caso de mulheres que já treinavam antes muda alguma coisa? E com relação à intensidade do treino?

L: Muda sim. As gestantes de primeiro trimestre, por modificações hormonais, geralmente têm queda de performance no treino (inclusive abstenções); o que é prontamente recuperado no segundo trimestre; tendo nova queda no terceiro trimestre em virtude das modificações físicas da gravidez. A intensidade do treino também deve ser reduzida e, por isso, a necessidade de monitores de frequência cardíaca.

Y: No caso de uma atleta, treinar em alta intensidade pode trazer algum risco ao bebê?

L: Especula-se que há diminuição no ritmo de crescimento fetal. Certamente não teremos estudos científicos que possam provar malefícios, mas temos exemplos dentro e fora da mídia que nos levam a crer em tal desfecho.

Y: Pensando em uma mãe que seja atleta ou pratique com frequência atividades físicas intensas, interromper abruptamente essas atividades em decorrência da gestação pode trazer algum malefício (quando não houver a necessidade como citado antes)?

L: A atividade física na gestação é benéfica ao diminuir o ganho de peso. Há diminuição da chance de diabetes gestacional, da incidência de cesáreas e partos vaginais operatórios, assim como reduz o período de recuperação pós-parto. Então a interrupção não é benéfica.

Y: Há relatos de mulheres que chegaram a lutar no início da gestação sem saber que estavam grávidas, nesses casos, quais podem ser os riscos?

L: Gestações muito iniciais tendem a trazer poucos riscos já que o útero está inteiramente protegido pela bacia óssea, mas impactos muito fortes na região abdominal podem ser transmitidos à região pélvica o que poderia, em teoria, aumentar a chance de abortamento.

Y: Com relação ao corte de peso, que costuma ser feito por meio da desidratação, qual é o perigo e o que isso pode causar?

L: O perigo é a desidratação propriamente dita (gestantes desidratam com maior facilidade) e o aumento da temperatura corporal excessiva (pensando nas capas). Nesse caso há maior chance de desmaios e, consequentemente, quedas. A temperatura aumentada pode levar ao surgimento de más formações fetais.

Y: Circulou um vídeo da atleta Caley Reece dando joelhadas com intensidade que, de acordo com ela, seria de 70% da intensidade do treino dela. O vídeo causou muita polêmica. Entendendo que não é possível fazer uma avaliação por vídeo, você poderia dar sua opinião?

L: Acho que ela não está fazendo 70% da intensidade. Acho sim um exagero em uma época tão delicada do final da gestação em que ela pode cair e aí sim colocar o feto em risco.

A prática de atividade física é sim orientada e deve ser realizada, mas devemos lembrar que temos um feto ali que depende unicamente da mãe. Não vejo necessidade desse exagero, uma vez que estas atletas podem retornar às atividades em pouco tempo. Mas isso é realmente a minha opinião.

Y: Por fim, considerando que você é especializada na área e também é praticante de muaythai, que conselho você daria para os treinadores que vierem a trabalhar com gestantes?

L: Acho que os treinadores devem entender que as gestantes são pacientes diferenciadas, que precisam de poucas alterações no treino em comparação aos outros alunos/atletas. E que devem estar preparados para não somente entender as “dificuldades” que as grávidas passam mas também encorajá-las a continuar treinando no bem estar materno e fetal.

Comorbidades obstétricas:

  • Intercorrências observadas durante a gestação que podem impedir a prática de atividades físicas como:
  • Gestação múltipla;
  • Incompetência ístmico-cervical ou circlagem na gestação atual;
  • Placenta prévia após 26 semanas;
  • Rotura de membranas ovulares;
  • Antecedente nesta gestação de trabalho de parto prematuro;
  • Sangramento persistente no segundo ou terceiro trimestres;
  • Pré-eclâmpsia
  • Doenças clínicas existentes antes da gestação que contraindicam o exercício físico, como doença respiratória restritiva e doença cardíaca com alteração hemodinâmica significativa.

Luciana Alves dos Santos Constantino, 33 anos, é médica formada em 2008 pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos; Ginecologista e Obstetra formada pela residência no Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros (São Paulo-SP) em 2015, especialista em Ginecologia – Obstetrícia desde 2015 (TEGO/2015). Ela está no sexto mês de gestação do Rafael e treina muaythai há 3 anos.

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