A lição mais importante

A lição mais importante

23/05/2017 2 Por Nathalia Viana

Meu primeiro texto sobre muaythai falava sobre como essa luta é capaz de transformar a vida e o caráter de quem a pratica. De todas as mudanças que eu citei, a mais essencial para mim até hoje é a humildade, por isso, o texto de hoje trata disso.

Estamos vivendo um momento maravilhoso para o muaythai brasileiro. O nível de informação disponível é cada vez maior e o reflexo disso é que treinadores, atletas e arbitragens estão cada dia melhores, e sempre buscando se aprimorar ainda mais. Ao mesmo tempo, essa nova geração que está surgindo já aprendeu o muaythai de verdade desde o início, então vemos aí uma molecada com técnica, postura e muita vontade de fazer bonito. Mas o que é até mais importante: eles são de equipes diferentes, se enfrentam nos ringues, mas são amigos e se respeitam mais que muito marmanjo por aí.

Que o muaythai prega o respeito não é lá nenhuma novidade. Oriundo da Tailândia, onde o budismo é a religião praticamente unânime, não poderia ser diferente. Mais do que em outras lutas, isso está muito evidente pelos rituais e amuletos que estão inseridos no contexto do esporte. Homenagear seu treinador com o wai kru não é só uma grande honra, mas um verdadeiro espetáculo, que além de ser premiado anualmente nos estádios ainda é digno de uma cerimônia anual que reúne milhares de pessoas para homenagear os grandes mestres das artes marciais tailandesas e, em especial, Nai Khanom Tom, que é considerado o pai do Muaythai.

Sempre ouço q muay thai é coisa bruta, mas quem vê o ram muay da nossa Jaqueline Oliveira Costa não tem como não se…

Posted by Andreia Castilho on Monday, May 9, 2016

Mas o respeito vai muito além disso. Embora o muaythai seja considerado por muitos uma das lutas mais violentas — por permitir uso de cotovelos, golpes nas costas e na genitália —, o que se costuma ver mesmo nos embates mais equilibrados são lutadores se enfrentando de forma limpa e respeitosa, e ainda, se abraçarem ou até se ajoelharem após o gongo final e cumprimentarem os treinadores do adversário. Afinal de contas, todo mundo é lutador, sofre do mesmo jeito para estar ali e para sobreviver disso, não é mesmo?

Julio Lobo e Saenchai após sua luta pelo Thai Fight 2016

Sempre me orgulhei de estarmos a um abismo do UFC, que promove rinha entre lutadores do momento em que uma luta é casada até a pesagem, quando já é mais que comum haver troca de socos entre adversários que estão prestes a subir no ringue juntos para mais um dia de trabalho. Se os falastrões como Chael Sonnen e Conor McGregor fazem sucesso por lá e aumentam a audiência de suas lutas na base da provocação, no muaythai não há espaço para isso (e espero que continue assim).

Mas foi participando da primeira rodada do Torneio Yoksutai 2017 que percebi o quanto nossos garotos são não apenas grandes profissionais, como pessoas humildes e que estão ali pelo esporte e apenas.

A pesagem dos moleques começou às 6h da manhã do dia das lutas. Todos eles chegaram no horário, no peso e sem reclamar mesmo alguns contratempos (por parte da organização e não das equipes) que atrasaram a pesagem. Até aí tudo normal. Mas eles não foram só respeitosos uns com os outros. Eu vi meninos dividindo comida com atletas que se não nessa rodada, nas próximas serão seus adversários; vi eles conversarem como amigos, darem risada e passarem o dia juntos esperando o evento começar de fato.

Atletas e treinadores aguardam início do evento após pesagem

Claro que isso não é novidade, ainda mais quando muitos desses meninos moram na mesma cidade, frequentam os mesmos lugares e se conhecem há tanto tempo. Mas ao mesmo tempo, é tão comum ver mestres de equipes se envolvendo em brigas no Facebook e faltando com respeito uns com os outros, que fico imaginando o que acontece no meio do caminho, entre os moleques que só querem subir no ringue e os adultos que querem ser donos da verdade.

Coincidência ou não, os grandes treinadores e lutadores que tive a oportunidade de conhecer até o momento, como o Leo Amendoim, Adaylton Freitas e Leonardo Sessegolo são caras humildes e que preferem evitar as picuinhas que rolam por aí.

Resumindo, vim aqui hoje para dizer que muaythai não é só físico, mas também é caráter. Lutadores e treinadores de verdade querem ganhar em cima do ringue e não na garganta. Quem é bom não tem medo de ser ofuscado pelo brilho do outro. E quem realmente entende de luta sabe que nesse ramo não existe SER o melhor, e sim ESTAR melhor. Hoje você está no topo, mas amanhã pode ter alguém acima de você. Pense bem em como vai agir quando estiver lá, porque você pode ser tratado da mesma maneira.