A REGRA DO JOGO: ARBITRAGEM E PONTUAÇÃO | PARTE 3: ESCOLA KAMANKAN BRASIL

A REGRA DO JOGO: ARBITRAGEM E PONTUAÇÃO | PARTE 3: ESCOLA KAMANKAN BRASIL

14/02/2017 1 Por Nathalia Viana

Após entrevistar Alex Cobra, pela AMTI (se você perdeu essa postagem clique aqui) e Ivam Batista pela Feplam (clique aqui para acessar), encerramos a nossa série sobre arbitragem e pontuação com a entrevista de Sandro de Castro, presidente da Escola Kamankan Brasil.

Yoksutai – Primeiramente, fale brevemente da Escola Kamankan Brasil (EKB).

Sandro de Castro – A EKB surgiu em 2012, depois de oito anos de estudo. A ideia veio pois os eventos no Brasil eram denominados muaythai, mas não seguiam suas regras e havia muitos resultados errados. Fui para a Tailândia estudar sobre treinamento, arbitragem e regras. Comecei com workshops de regras e postura, passando o que estudei desde 2007. Depois surgiu o curso de formação, no qual os candidatos passam mais de 20 horas estudando. Após rodar o Brasil, notei reclamações sobre haver poucos grupos de arbitragem e vi que era a hora de formar o da EKB, no qual o Diogo Bernardes é o diretor de arbitragem. Houve processo seletivo para formar o quadro, curso de 3 dias e mais 6 meses estudando, para então começar a atuar. E agora o Brasil tem 3 grupos de arbitragem, o que é muito bom e só fortalece o esporte.

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Yoksutai – Quais são os critérios para avaliar uma luta?

Sandro de Castro – Basicamente comparam-se as performances e avalia-se quem está melhor em suas técnicas. Considera-se força, equilíbrio, precisão e efetividade técnica. A força é o fator principal de julgamento, com golpes limpos e precisos, que machucam e pontuam, mas há ainda o estilo dominante, performance, código de honra, cansaço. Por isso se fala muito em postura (comportamento, movimentação, etc).

Existem lutadores que batem forte, como Pakorn, Seksan, Panpayak, entre outros; e os que pontuam, como Superbank, Saenchai… Assim, é importante avaliar o estilo dos lutadores e quem está dominando a luta. Às vezes o atleta não é dotado de muita força, porém tem habilidade técnica para parar seu adversário. Nesse caso, independente de andar para trás ou estar nas cordas, desde que não receba golpes e consiga pontuar, neutralizando seu adversário, ele pode vencer o combate.

Uma luta equilibrada vai sempre dar margem para dúvida e interpretação, por isso é necessário estudar, através de seminários e workshops, mesmo que não se queira ser um árbitro, pois é muita informação, sendo necessária a interpretação dos juízes, até para entender como o atleta está sendo julgado.

 

 Yoksutai – Entre os critérios, há uma ordem de relevância?

Sandro de Castro – Na questão força versus efetividade técnica, o lutador técnico (muay fimeu), tem que trabalhar muito mais para neutralizar a força do adversário para conseguir pontuar, caso contrário, se o cara conectar golpes e você ficar correndo sem postura, você perderá a luta. As pessoas costumam se confundir nessa questão. Por isso na Tailândia preocupa-se muito com o jogo em si, para que os embates sejam competitivos. Eles não casam lutas em que se sabe que o atleta vai perder, isso não é interessante para o muaythai, eles querem casar lutas em que o lutador tenha condições de ganhar do favorito. É por isso que os estádios incendeiam, e eles têm que ficar ali duelando o tempo inteiro.

 

Yoksutai – Há realmente golpes que valham mais ou o que conta é o golpe que machuca?

Sandro de Castro – Não há ordem de golpes, o que há é o golpe que te acerta, te machuca e te anula (seja na força ou técnica). É importante identificar o estilo dos lutadores (fimeu, khao, darn, mahd) e ver quem está predominando. É claro que como o muaythai é um jogo, é comum ver um fimeu lutando de muay darn, ver um muay darn lutando de muay khao… Esse jogo é que torna o muaythai gostoso de ver.

É claro que há o grau de dificuldade dos golpes. Vamos supor que um lutador dê um chute forte e o oponente fique duro e responda com uma joelhada. Para acertar esse joelho você tem um espaço menor, e exige-se o dobro de velocidade para ter esse contra golpe. Então, necessariamente, se você tem uma boa postura e responde, você sempre vai levar vantagem, se acertar, é claro. Mas não há uma ordem.

 

Yoksutai – É possível notar que a atuação de cada árbitro é diferente. Como essa atuação interfere na avaliação da luta?

Sandro de Castro – Isso não pode existir. Há um padrão de movimentação, atuação nas ocorrências e intervenção. Onde há combatividade o árbitro tem que deixar e quando não houver por 3 segundos ele deverá intervir. Se ele interromper toda hora, será parcial a alguém. Deve-se entender e respeitar os estilos e saber a hora certa de parar o clinche. O problema é que no Brasil ainda não temos muito os estilos, o brasileiro vem basicamente de uma escola de muay mahd e muay darn. De uns tempos para cá é que vem se entendendo o estilo de lutador, e surgindo alguns muay khao (alguns legítimos, outros acabam se misturando), alguns fimeus.

Para atuar como árbitro central tem que treinar e fazer cursos, eu sei que a vontade de todos é ajudar, mas não é assim. Eu também queria acordar amanhã e ser médico, mas não dá, tem que estudar como em qualquer profissão.

 

Yoksutai – Quais são os critérios para se abrir contagem?

Sandro de Castro – Na verdade a contagem é apenas protetora, para proteger o atleta e sua integridade física. Se conta até 8, se ele não estiver apto e não levantar a mão, no 10 se encerra. Ou, se ele não estiver bem, o árbitro pode interromper até antes. Há knock downs em que o atleta cai sente o golpe e levanta, aí cabe aos juízes avaliar.

 

Yoksutai – Que golpes são considerados ilegais?

Sandro de Castro – Joelhada proposital nos genitais (tanto para homens quanto para mulheres), qualquer golpe após o árbitro interromper a luta, três apoios, travamento de quadril durante o clinche, forçando a coluna do adversário e impedindo-o de se defender e contra golpear (diferente de cinturar e fazer o jogo grudado). Golpes com a mão na corda (apoiar a axila ou o cotovelo não é falta). Todas as quedas em que você trava a perna do adversário usando o calcanhar.

Sobre golpe na nuca e nas costas, são válidos, mas o árbitro sempre que puder irá intervir buscando preservar a integridade física do atleta. Assim como chute ou teep na genitália também são válidos, se o atleta não voltar perderá a luta, por isso no muaythai se usa coquilha de aço, para proteger o atleta e não haver necessidade de dar tempo de recuperação.

 

Yoksutai – O que é necessário para que uma luta seja considerada empate? Há critérios de desempate?

Sandro de Castro – Os lutadores têm que estar iguais. Para uma luta de 5 rounds, o fator para o desempate é o mínimo detalhe, pode ser um escorregão, uma projeção, o protetor cair da boca, tomar um golpe limpo… O que não podemos deixar acontecer é dar empate em qualquer luta que possa gerar alguma controvérsia ou discussão. O juiz está ali para julgar e para isso ele precisa passar por treinamento. Julgar luta fácil, de forte versus fraco, sparring de luxo, isso é fácil, mas os três estão sentados ali para avaliar quem está ganhando, então têm que ter coragem. Se há empate sempre, o juiz está correndo da responsabilidade. Se não, não precisaria de juiz, só de árbitro central. Por isso que todo mundo estuda muito aqui, inclusive a Kamankan Brasil.

 

Yoksutai – Há rounds que valham mais que outros? Por que no muaythai é possível perder a luta mesmo tendo perdido apenas um round?

Sandro de Castro – Todos os rounds são importantes, tocou o gongo, o jogo começa. Pode-se pontuar no primeiro round se houver força, mas não significa que isso fará você ganhar a luta. E quando você consegue em apenas um round ganha-la é porque o que você faz nesse tempo supera o que o outro cara fez na soma. Nós usamos uma porcentagem na EKB para avaliar isso. Lembrando que a luta é uma corrida, você pode lidera-la, mas se tem alguém atrás de você não te deixando abrir muito, e do nada tu vacila, se eu te passar eu ganho.

E não me refiro necessariamente à knock down, não fique achando que você vai ganhar por causa disso, pare de andar e de lutar e você vai perder a luta.

Mas isso é preciso ser bem avaliado, é preciso estudar, ter formação para saber julgar, porque a gente trabalha com sonho, então é necessário se preparar para poder julgar corretamente. E como cada luta é uma história, não dá pra achar que vai ser como receita de bolo.

 

Yoksutai – Golpes “bonitos”, como giratórios, valem mais?

Sandro de Castro – Se eles acertarem, com certeza, porque têm um grau de dificuldade grande, mas tem que machucar o cara, nocautear. Não adianta dar um pirocóptero aí, dar as costas e tomar um chute. Se não me engano um estádio na Tailândia premia isso, se nocautear com chute assim ou joelhada pulando você ganha uma bonificação extra. Mas se você entrar ai no Muay Ties, você vai ver mil, duas mil lutas e dificilmente você vai ver um atleta fazendo. Por quê? Porque muaythai é jogo, você não pode piscar, se você der mole você não encosta mais.

 

Yoksutai – Considerando que a arbitragem é feita por pessoas e, portanto, passível de erros, quando é identificado que houve um erro em uma luta, como proceder?

Sandro de Castro – Quando a luta é equilibrada, sempre dará margem e haverá reclamação, mas quando um erro é escandaloso, de injustiça, deve-se resolve-lo na hora ou pela avaliação de vídeo, mas há de se tomar uma decisão, se não a gente não evolui. E isso não pode ser constante, porque aí já é falta de conhecimento. Se não fica tipo China, que você tem que matar e esperar sete dias pra ver se ressuscita para só aí saber se ganhou.

A EKB estuda bastante para diminuir os erros, mas isso pode acontecer com todos os árbitros, de qualquer entidade. No que aconteceu na luta do tailandês com o Erik Espirro, voltaram atrás, eu achei aplausível. O importante é falar a mesma língua, só que precisa ter formação, tem que estudar.

Na Tailândia é muito diferente, todos entendem o esporte. Já aconteceu muito de chute de três apoios, pegou ou não pegou, e os tailandeses voltaram atrás.

 

Yoksutai – Caso um dos lados discorde do resultado atribuído à luta, o que fazer?

Sandro de Castro – Deve conversar com o chefe de arbitragem com educação e respeito e ouvir as considerações. O pessoal não tem formação e sai falando em rede social, juiz comentando resultado de luta para dizer que não foi ele quem deu… Eu não acho isso legal para o corpo de arbitragem. É necessária a preservação do silêncio e deve haver alguém capacitado para falar depois de ouvir as considerações de todos os juízes, isso pode ser no final do evento, pois o evento precisa andar.

 

Yoksutai – É muito comum ver pessoas discordando do resultado das lutas. Na sua opinião, por que isso acontece e como pode ser resolvido?

Sandro de Castro – É preciso fazer workshop, buscar informação de fontes confiáveis, de credibilidade, tailandês ou brasileiro. O muaythai tem que ser falado uma língua só. E isso aos poucos vai acontecer. Se eu não entendo, eu vou reclamar, porque é um ente querido, ou o próprio treinador foi orientado incorretamente.

“Ah! Mas cada estádio é de um jeito”, não, a regra é uma só, o que pode mudar é a interpretação dos juízes.

A Kamankan Brasil está sempre realizando workshops e cursos de formação, nós estamos de portas abertas, rodando o Brasil todo. Nos mais de 200 seminários que eu já dei, vejo que as pessoas começam a enxergar muaythai de outra forma quando elas começam a ter informação e hoje nós temos vários canais confiáveis. Lembrando: luta equilibrada é igual futebol, deixa os caras debaterem, reclamação vai ter sempre em qualquer esporte que seja competitivo, o que a gente precisa é estar bem preparado para agir com justiça.

 

Ainda ficou com alguma dúvida? Deixa aqui nos comentários que a gente corre atrás da resposta para você! Aproveita e conta para a gente qual foi a entrevista da série que você gostou mais!

E se você quiser tiver interesse em fazer um workshop com algum desses grupos de arbitragem, entre em contato com os presidentes pelo facebook:

Alex Cobra – AMTI (clique aqui)

Ivam Batista – FEPLAM (clique aqui)

Sandro de Castr0 – Escola Kamankan Brasil (clique aqui)